Bruno Speck: 'Limites para doações hoje são irrelevantes'
31/12/12 00:00RAFAEL ANDERY
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA
O Brasil avançou em alguns aspectos do financiamento eleitoral, mas ainda precisa ser mais rigoroso no controle sobre doações privadas para candidaturas. Essa é a opinião de Bruno Wilhelm Speck, doutor em ciência política e chefe do Departamento de Ciência Política na Unicamp (Universidade Estadual de Campinas).
Para o especialista em financiamento eleitoral, contudo, o legislador deve agir com cuidado na hora de implementar novas regras. Speck é categórico ao afirmar que novas leis são inúteis se não houver uma fiscalização efetiva de seu cumprimento, como no caso de limitação para os gastos de campanha. “O legislador deve pensar duas vezes antes de estabelecer um teto, e quatro ou cinco vezes sobre as reais possibilidades de se fazer cumprir essa regra”, afirma o cientista político.
FOLHA – Qual sua avaliação sobre o sistema brasileiro de financiamento de campanhas?
BRUNO SPECK – O Brasil hoje se encontra em uma encruzilhada. O cidadão é amplamente informado sobre o padrão de financiamento das eleições. Ele é servido diariamente de uma imagem da política brasileira que a caracteriza como um processo plutocrático, onde aquele que tem mais recursos manda mais. O eleitor acaba lendo nas manchetes que o processo eleitoral precisa de dinheiro, e que esse dinheiro vem de alguns poucos atores do mundo dos negócios privados. Isso é a realidade, e a médio prazo pode minar a legitimidade do processo democrático no Brasil. O legislador brasileiro deve agora discutir maneiras de se apertar o controle sobre os financiamentos privados.
Em que medida o volume de recursos garante o sucesso de uma candidatura? Qual a relação entre financiamento e cacife político?
Francamente, não sabemos. A ciência política conseguiu estabelecer uma correlação clara entre voto e dinheiro, mas é necessário ainda esclarecer a direção da causalidade: dinheiro produz voto ou a expectativa do voto produz dinheiro? Esclarecer essa questão será um desafio para os próximos anos. Alguns políticos possuem recursos que não são financeiros, e sim decorrentes de uma vinculação a sindicatos ou igrejas, por exemplo. Isso gera recursos não monetários, como a mobilização de simpatizantes. Alguns candidatos também são conhecidos em virtude de aparições na TV, ou qualquer outro tipo de mídia, o que já constitui um recurso não monetário que acaba influenciando nos resultados eleitorais. São casos específicos.
Em que aspectos ficou mais caro ser candidato desde a redemocratização, nos anos 80? E como isso impactou o financiamento de campanhas?
Muitos aspectos da campanha foram monetarizados, o que é uma tendência internacional. Pessoas que participam de passeatas, ficam com bandeiras na rua, eram todas voluntárias no passado; hoje são pagas. Existe uma tendência de profissionalização das campanhas. Alguns serviços ficaram mais caros, como as pesquisas prévias. É uma convergência de fatores, como a profissionalização e a monetarização. No Brasil, desde 2002 temos prestações de contas cada vez mais completas e fidedignas, o que torna mais difícil medir se o aumento do “caixa um” decorre de uma declaração mais detalhada ou do próprio encarecimento da campanha.
Que vantagens há para uma empresa em financiar candidaturas?
Falar em vantagens já exclui as doações por afinidade ideológica. Do ponto de vista puramente interesseiro, existem dois tipos de vantagens. Primeiro, a empresa consegue apoiar candidatos que se identificam com os interesses do setor. Financiando esses candidatos, você financia a política que quer ver implementada no país. A segunda vantagem é mais direta; diz respeito às relações de uma empresa com políticos individuais. Ela garante o acesso a um político que toma decisões quando eleito. Para além disso, você pode até especular que a empresa vise comprar decisões. Entre ser ouvido e comprar a decisão existe uma grande gama de influências que a empresa pode exercer.
O que é o caixa dois, em sua opinião, e como combatê-lo?
Caixa dois é a suposição dos observadores de que os dados prestados à Justiça Eleitoral não estejam corretos. Para combatê-lo, devem-se tomar duas medidas: tornar as sanções mais severas em caso de caixa dois e contratar um outro perfil de fiscais, menos da área do direito e mais da contabilidade, para fiscalizar as contas dos partidos.
Por que, em sua opinião, muitas empresas têm preferido doar aos partidos a doar diretamente aos candidatos?
Os partidos políticos em muitos aspectos ampliaram o seu papel em relação aos candidatos. Os eleitos são relativamente obedientes aos partidos. Em relação ao financiamento, temos um fenômeno parecido. Os partidos tentam absorver grande parte do dinheiro para depois transferi-los aos seus candidatos. Através disso, eles condicionam seus candidatos, apoiam aqueles que acham mais importantes e penalizam os infiéis, que não votam na linha partidária. Algumas organizações que pregam a moralidade e a atuação responsável das empresas também recomendam isso, como o Instituto Ethos. Se uma empresa doa R$ 100 mil para o candidato, e ele recebeu R$ 1 milhão, ela tem mais influência sobre esse candidato do que se doasse para um partido que arrecada 10 milhões. No cálculo de risco, se a finalidade é desvincular candidatos da empresa, é mais lógico utilizar uma doação indireta.
Como o sr. avalia os mecanismos de fiscalização e regulamentação (do financiamento de campanha) existentes hoje no Brasil?
No quesito transparência, o Brasil avançou muito. Numa comparação internacional, só o fato de termos acesso ao caixa um já é um avanço muito grande. Saber detalhadamente a origem e o destino desse dinheiro já é uma fonte enorme para entender a política brasileira. Ao analisar os órgãos de controle, porém, podemos dizer que o Brasil avançou, mas que ainda existe muito chão pela frente. A Justiça Eleitoral é muito estável, conseguiu modernizar o processo eleitoral, mas ainda não dispõe de um corpo de auditores grande o suficiente para fazer valer as regras do financiamento privado de campanhas. O perfil deles também é muito voltado para o direito, quando deveria dar mais importância para a contabilidade. Além disso, as penas para prestações de contas não fidedignas ainda são muito pequenas. Quem não declara metade de sua arrecadação deveria, no limite, perder o mandato, e não apenas realizar uma retificação.
Qual a sua opinião sobre limites para arrecadação ou despesas de campanha?
Os limites para doações hoje adotados são praticamente irrelevantes. Nesse aspecto, pode-se dizer que o Brasil retrocedeu, mas por causa de uma experiência prévia negativa que era o não cumprimento das leis que impunham limites. Os limites são meios poderosos para tornar o processo eleitoral mais igual no Brasil. Limitar a arrecadação iguala cidadãos e empresas em sua capacidade de influenciar o processo eleitoral. Já a limitação de gastos torna os candidatos mais iguais, pois estabelece um teto fixo para todos cumprirem. Um dos problemas talvez seja pensar num valor justo para o teto, que seja baixo o suficiente para tornar os candidatos mais iguais, mas não tão baixo que inviabilize as campanhas políticas em algumas localidades. Outro desafio é fazer cumprir a regra. O legislador deve pensar duas vezes antes de estabelecer um teto, e quatro ou cinco vezes sobre as reais possibilidades de se fazer cumprir essa regra.
Que avanços no acompanhamento e controle das eleições ocorridos no último quarto de século o sr. considera mais significativos?
Pode-se dizer que estabeleceram-se menos regras e apostou-se mais no cumprimento das que existem. Em 1992, houve a CPI do Collor, depois leis específicas para cada eleição. Foi um ciclo de reformas que implementou essas regras, culminando na lei eleitoral de 1997. Depois disso vem outro ciclo de reformas que não é legislativo. A Justiça Eleitoral mudou as regras de implementação e interpretação daquelas leis. Introduziu-se a prestação de contas eletrônica, a incorporação dos partidos como organizações que devem prestar contas no mesmo formato dos candidatos e a divulgação das prestações antes do dia da eleição.
Qual sua opinião sobre financiamento exclusivamente público de campanhas?
Tenho dúvidas sobre esse modelo. Acho pouco provável que, com a atual capacidade de fiscalização, essas regras sejam cumpridas. As sanções deveriam ser mais severas, o corpo de auditores deveria ser fortalecido. As regras não devem ser tão rigorosas quanto em 1992, mas passo a passo devem ser apertadas. Financiamento público exclusivo é complicado. Pela sua lógica, quem teve mais votos no passado terá mais recursos no futuro, o que congela a competição eleitoral. Partidos novos teriam chances reduzidas, e não haveria oportunidade de compensar essa falta com recursos privados. Basear no passado os repasses públicos é válido para um sistema complementar, mas não para um sistema exclusivo. O sistema misto é mais salutar nesse momento.
O sr. conhece alguma democracia que adote financiamento exclusivamente público em suas eleições?
Não conheço nenhuma que tenha financiamento público exclusivo e poucas são as que adotam o financiamento público quase exclusivo. O país que chega mais próximo talvez seja o México, que tem um financiamento público de aproximadamente 85%, além de Israel e Colômbia, esta para as eleições presidenciais.
Quais aspectos de financiamento público de campanhas temos hoje no Brasil?
O direto e o indireto. O primeiro é o Fundo Partidário, voltado para as organizações partidárias e que respinga no financiamento eleitoral. O segundo, que muitas vezes não é visto como financiamento público, é o horário eleitoral gratuito. A mídia geralmente enxerga isso de maneira muito negativa, mas eu discordo. É um avanço muito grande, e nessa área o Brasil se aproxima do financiamento exclusivamente público, proibindo os anúncios pagos.
Quais aspectos de leis estrangeiras sobre financiamento de campanha o sr. consideraria interessante pensar em adotar no Brasil?
Não é o caso de transferir modelos. O aperfeiçoamento institucional não funciona dessa forma. Deve-se conhecer os desafios do caso brasileiro para respondê-los de maneira adequada. Dito isso, um país muitas vezes citado como bom modelo de financiamento é o Canadá. Há limites muito baixos para doações, o que exclui as empresas, e complementa o financiamento privado com financiamento público. A Justiça Eleitoral lá é muito atuante em fazer valer as regras e existe grande transparência sobre o processo.
Como envolver mais o eleitor na fiscalização das campanhas?
Divulgando ainda mais as informações. Nos EUA, que foi um dos primeiros países a produzir e divulgar dados sobre financiamento de campanhas, ao longo de três décadas se formaram ONGs e uma mídia mais atenta para esse tipo de dados. No Brasil, a mídia e as ONGs estão levando mais a sério essas informações, mas ainda existe muito chão para aperfeiçoar esse olhar. É pouco provável que o cidadão vá ao site do TSE pesquisar os dados. Não devemos alimentar essa ilusão. É papel da mídia intermediar e traduzir esses dados para o cidadão comum.
E no tocante ao financiamento de campanha, como avalia a participação do eleitor como doador?
Na teoria democrática essa doação é a mais apropriada, a menos problemática em termos de dependência. Era o fundamento do financiamento dos partidos no início do século 20. A própria filiação partidária surgiu para viabilizar candidaturas de partidos de esquerda, que não tinham recursos próprios para bancar a campanha. Acho difícil acreditar que um modelo como o utilizado por Barack Obama nas eleições de 2008 vá vingar nos próximos anos no Brasil. A desconfiança da população em relação aos partidos ainda é muito grande e é difícil reverter isso a curto prazo. Além disso, o poder econômico do cidadão médio ainda não é suficiente para que ele se dê ao luxo de financiar uma campanha. Pela desigualdade social existente, também não seria um sistema muito igualitário, uma vez que o financiamento das campanhas seria feito somente por cidadãos de classe média para cima.