Doação 'oculta' favorece independência do candidato, diz Ethos
31/12/12 00:00GIULIANA DE TOLEDO
JOELMIR TAVARES
RAFAEL ANDERY
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA
As doações ocultas, que representaram 71% da arrecadação dos candidatos a prefeito em capitais neste ano, são criticadas pela falta de transparência, mas têm defensores entre políticos, empresas e especialistas.
Nesse modelo de doação, o doador repassa dinheiro para partidos ou comitês financeiros montados especialmente para as eleições em vez de fazer a transferência diretamente para os políticos.
A prática não é ilegal, mas, ao tornar indireta a participação de empresas em campanhas eleitorais, dificulta que se rastreie a origem de possíveis tentativas de influenciar autoridades. Seus defensores, porém, as consideram benéficas por serem declaradas e teoricamente reduzirem a dependência direta dos candidatos em relação às empresas doadoras.
Reeleito com 97,5% da campanha financiada por meio de seu comitê financeiro, o prefeito de Porto Alegre, José Fortunati (PDT), foi o segundo que mais recebeu dinheiro via doações ocultas nas capitais.
O recebimento de doações desse tipo é uma prática corriqueira, segundo o coordenador da campanha de Fortunati, Edemar Tutikian. “A conta do comitê é a conta que funciona. Ela está interligada às contas do candidato e do partido, não é uma coisa isolada”, diz.
Para Tutikian, a crítica de que o repasse prejudica a identificação da origem do dinheiro não procede. “Não tem doador oculto”, afirma. “O Tribunal [Regional Eleitoral] não examina as contas em separado. Isso não é problema.”
Fortunati arrecadou em sua campanha pouco mais de R$ 6,2 milhões. Além do comitê financeiro de sua candidatura, há doações de mais quatro pessoas físicas e um repasse de R$ 150 mil do Itaú/Unibanco.
No total, quase R$ 340 milhões foram obtidos dessa forma nas eleições deste ano nas capitais.
Os partidos responderam por 47% dos repasses, enquanto os comitês financeiros representaram 24%. A origem dessas receitas só será conhecida no ano que vem, quando o TSE (Tribunal Superior Eleitoral) divulgar as prestações de contas de ambos.
A recordista em doações ocultas nas capitais foi a prefeita eleita de Boa Vista, Teresa Surita (PMDB), que teve 100% dos recursos (R$ 1,9 milhão) obtidos por meio de doações da diretoria estadual de seu partido.
A reportagem procurou a assessoria da candidata durante cinco dias em busca de informações sobre o financiamento de sua campanha, mas não obteve resposta.
DEPENDÊNCIA
Manual publicado em agosto pelo Instituto Ethos de Empresas e Responsabilidade Social –ONG que reúne 1.503 empresas com faturamento anual correspondente a cerca de 35% do PIB brasileiro– alerta para o risco de financiar candidatos, em vez de partidos, especialmente em eleições para o Legislativo.
“Deve-se ter em mente que o financiamento de um candidato aumenta o risco de dependência entre ele e seu doador. Muitas vezes, pela própria estrutura de financiamento de campanhas no Brasil, o candidato depende de poucos financiadores, criando situações pouco saudáveis em relação à sua independência depois de eleito”, afirma a cartilha.
As principais recomendações do documento são que as empresas não apoiem partidos ou candidatos com histórico de corrupção, doem de acordo com a lei, privilegiando a transparência do financiamento, e não busquem vantagens indevidas.
Gerente de políticas públicas do Ethos, o sociólogo Caio Magri defende uma redução drástica da participação empresarial no processo eleitoral, embora não saiba apontar um modelo ideal de financiamento.
“As doações de empresas para partidos políticos e candidatos são o ovo da serpente da corrupção”, diz Magri.
A doação a partidos, em vez de candidatos, é a política do Grupo Marquise, que doou R$ 2,2 milhões neste ano.
Desse total, só R$ 50 mil (2%) foram destinados diretamente a candidatos. Os demais recursos foram repassados a diretórios e comitês de quatro legendas.
“Todo esse processo de ajuda de campanha ainda está sendo muito discutido no país. Então, a melhor maneira é ajudar diretamente o partido político”, diz Hugo Nery, diretor de operações do Marquise.
O grupo cearense, que tem contratos públicos em cidades como Porto Velho (RO), é formado por dez empresas de áreas como engenharia, coleta de lixo e incorporação imobiliária.
Para o cientista político Wagner Pralon Mancuso, da USP, é preciso ter cuidado com o uso do termo “doações ocultas”, já que não se pode afirmar sempre que a prática tem o objetivo de esconder a origem e o destino do dinheiro.
“Não há como saber em que medida é uma doação oculta ou simplesmente uma doação para o partido. Para ser oculta, precisaria ser uma doação já ‘carimbada’, em que a empresa quisesse evitar um vínculo com determinado candidato e escondesse essa relação com a intermediação do partido.”
Colaborou MIGUEL MARTINS