Fernando Gabeira: 'Uma campanha, numa cidade grande, poderia custar R$ 5 milhões'
31/12/12 00:00LEONARDO VIEIRA
RAYANNE AZEVEDO
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA
Afastado do mundo da política desde dezembro de 2010, quando seu mandato de deputado federal pelo Rio de Janeiro chegou ao fim, Fernando Gabeira pode voltar a exercer a profissão de jornalista e olhar com calma para o passado, num momento de autoavaliação dos mais de 50 anos de militância. Desse exercício saiu seu mais novo livro, “Onde Está Tudo Aquilo Agora?” (Cia. das Letras), lançado em dezembro.
Em entrevista à Folha, Gabeira diz o que pensa sobre financiamento de campanha no Brasil e é categórico sobre a necessidade de limitar doações. “Eu acho que uma campanha, numa cidade grande, poderia custar R$ 5 milhões”, afirmou.
FOLHA – Qual sua avaliação sobre o sistema brasileiro de financiamento de campanhas?
FERNANDO GABEIRA – Acho que está muito limitado aos empresários e às empresas. Quem financia as campanhas no Brasil de modo geral são as empresas, sejam construtoras ou não. Nas minhas campanhas de 2008 e de 2010, nos empenhamos junto ao TSE para que fosse permitida a doação pela internet, algo que demorou muito no Brasil. Uma das formas possíveis de financiamento de campanha é essa: pessoas que querem participar contribuem com algum dinheiro. Isso permite certa independência. Uma vez que a origem das doações seja bem distribuída, você fica mais independente no seu mandato.
Em que medida o volume de recursos garante o sucesso de uma candidatura? Qual a relação entre financiamento e cacife político?
Não se pode dizer que o volume de dinheiro determine uma eleição. Há muita gente que gastou muito dinheiro e perdeu. Mas existem gastos essenciais mínimos que são necessários para quem quer ganhar uma eleição. Nesses gastos eu coloco os com programa de televisão gratuitos, que são os mais pesados.
Por que ficou mais caro ser candidato após a redemocratização, nos anos 80? Como isso impactou o financiamento de campanhas?
Ficou mais caro porque houve um momento em que era possível ser candidato apenas como um candidato de opinião, ou seja, aquele que tem uma necessidade menor de fazer propaganda e necessidade maior de dizer que é candidato e contar com o voto das pessoas que já o conhecem. Mas, com o tempo, o próprio espaço dos candidatos de opinião foi reduzido. A TV ainda desempenha um papel predominante, e os preços dos programas de TV são muito caros, abusivos. Sem falar nos marqueteiros que fazem análises e cobram muito dinheiro.
Que vantagens há para uma empresa em financiar candidaturas?
Depende. Há uma diversidade muito grande de interesses. Algumas empresas afirmam que são interessadas pela democracia, pelos debates de ideias e pelas escolhas de candidatos. Outras têm expectativas de poder influenciar o candidato já vitorioso. Outras que já trabalham com o governo têm a expectativa de manter contratos e fechar outros. E existe uma faixa de empresários que apoia uma candidatura por achar que ainda vale a pena colocar aquelas ideias em debate, mas essa parcela é muito pequena.
O que é o caixa dois, em sua opinião, e como combatê-lo?
Muita gente afirma que o caixa dois é o resultado da falta de financiamento público de campanha. Mas nós já tivemos uma experiência na Alemanha, onde, apesar da existência do financiamento público de campanha, houve caixa dois, o que arruinou a carreira política de Helmut Kohl, que era chanceler no período da reunificação. Então, a partir de um certo momento, o tribunal passou a exigir que se declarasse as despesas com muita precisão. E essas despesas, de um modo geral, são mostradas na internet. Então o caixa dois é tudo aquilo que se recebeu e gastou, mas que não foi declarado ao tribunal nem na internet.
Por que, em sua opinião, muitas empresas têm preferido doar aos partidos a doar diretamente aos candidatos?
É a forma que elas encontram de não se responsabilizar ou se vincular diretamente a uma determinada candidatura. É a forma que ela tem de dizer “eu dou para o partido, e ele distribui para os candidatos que achar conveniente”. Às vezes isso acontece de fato, às vezes é uma forma de a empresa doar para o candidato sem querer necessariamente aparecer como apoiando especificamente o candidato. O ideal seria que fosse apoiado o candidato. Mesmo porque, em certos momentos, o candidato nunca sabe quanto de dinheiro o partido recebeu e quanto ele vai receber também. Se uma doação é voltada para uma candidatura, seria conveniente que ela fosse especificada para que primeiro se soubesse que empresa apoia aquela candidatura e segundo para que o candidato soubesse de quem ele recebeu aquele dinheiro.
Como o senhor avalia os mecanismos de fiscalização e regulamentação de financiamento de campanha existentes hoje no Brasil?
Acontece que a gente nunca tem uma visão muito clara. O mecanismo de fiscalização é muito voltado para as contas que aparecem, mas tem muitas formas de enganá-lo como por exemplo utilizando gráficas fantasmas como aconteceu no Rio de Janeiro. Algumas empresas lavam o dinheiro, não chegam a prestar os serviços que são feitos ali. Então é muito difícil, no mecanismo de fiscalização, não só examinar os gastos mas também examinar se os serviços mencionados naquela prestação de contas foram realmente realizados. A fiscalização já existe a respeito das contas prestadas. É necessário que exista uma relação clara entre as contas prestadas e o serviço feito. E isso exige mais gente e mais capacidade no processo de fiscalização.
Qual sua opinião para os limites de despesas e arrecadação de campanha? Deve haver limite?
Os limites são antecipados pelo próprio candidato. De modo geral, o candidato expressa um limite que ele pode arrecadar. Eu acho que pode e deve haver limites para arrecadação de campanha. Acho até que para os candidatos de opinião seria uma coisa boa, porque não há dinheiro para fazer uma campanha se você não está ligado a grandes empreiteiras e empresas desse tipo. O limite numa eleição municipal é muito dado pelo processo que o candidato conduz. Há processos com empresas de marketing formulando um programa de televisão, que trabalha com pesquisas qualitativas, que tem uma estrutura, uma distribuição… Uma campanha majoritária costuma também fazer o material de propaganda conjunto de campanhas proporcionais. Com tudo isso, eu acho que uma campanha , numa cidade grande, custaria minimamente R$ 5 milhões. Agora eles gastam R$ 40 milhões, R$ 50 milhões.
Que avanços no acompanhamento e no controle das eleições ocorridos no último quarto de século o sr. considera mais significativos?
O marco mais significativo foi a introdução do voto eletrônico. Apesar de ele ser ponderável em alguns aspectos, simplificou muito o processo e conseguiu fazer com que as eleições fossem apuradas muito rapidamente.
Qual sua opinião sobre o financiamento público de campanha?
Acho que, se há um limite, você deveria fazer como os EUA: permitir também que as pessoas buscassem o financiamento junto a simpatizantes. E a pessoa pudesse optar entre usar o financiamento público ou usar o financiamento que os simpatizantes estão dando. Não os dois, evidentemente. Ou um, ou outro. Eu acho que a combinação do financiamento público com o privado poderia ocorrer por meio desse processo: você determina um limite, a pessoa alcançando o limite com simpatizantes da campanha, pela internet e tal, ela pode dispensar a ajuda oficial.
Como envolver o eleitor na fiscalização das campanhas?
É muito difícil que o eleitor seja envolvido, mas uma vez você tendo um grupo de voluntários, simpatizantes, participando do processo, eles normalmente ficam atentos. Através de uma organização em rede, internet e redes sociais, você consegue formar um grupo de pessoas que contribua com a fiscalização. Mas, por mais que você avance nisso, a fiscalização precisa também de ter uma estrutura própria. Os crimes eleitorais são muito grandes, acontecem demais. Desde a maneira como se utiliza o espaço urbano, com propaganda em locais proibidos, até maneira também como as pessoas se utilizam de vazios de alguns momentos eleitorais para aparecer com eleitores fantasmas. Acho que o TRE precisa avançar muito ainda em termos tecnológicos e de recursos humanos.
No que se refere ao financiamento de campanha, como o sr. avalia a participação do eleitor como doador?
Eu tive uma boa experiência em 2008, houve muita doação particular. Mas, como eu disse, naquele momento ainda não tínhamos conseguido convencer o TSE a adotar o sistema de doações pela internet, que já vigorava nos EUA há alguns anos. Nós ficamos limitados apenas aos doadores com os quais tivemos contato físico, e esse campo é limitado. Agora, no Brasil já é possível explorar essa possibilidade de doações pela internet. Acho que isso depende do crescimento do entusiasmo pelas candidaturas. Nos EUA, por exemplo, havia já o financiamento via internet, mas foi com Obama que ele ganhou uma dimensão maior porque havia também mais entusiasmo pela campanha dele.