MIGUEL MARTINS
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA
O apoio de empresas a candidatos faz parte do regime democrático, na opinião de Sérgio Lazzarini, autor do livro “Capitalismo de Laços” (Campus), sobre relações entre empresas privadas e o setor público.
Em entrevista à Folha, o professor do Insper (Instituto de Ensino e Pesquisa) defende a criação de um código anticorrupção no Brasil, semelhante ao que existe nos EUA. Ele também afirma que é necessário uma regulamentação mais rígida para o caixa dois. “Para combater, tem que ter punição. Penal. No fundo, caixa dois é lavagem de dinheiro”, afirmou.
Alessandro Shinoda – 1 dez. 2010/Folhapress
FOLHA – Qual sua avaliação sobre o sistema brasileiro de financiamento de campanhas?
SÉRGIO LAZZARINI – As campanhas são muito caras em razão da própria característica do sistema eleitoral brasileiro. Um deputado federal tem que cobrir amplas extensões territoriais, e acaba ficando muito custoso. Também há uma guerra de propaganda cada vez maior. Um candidato contrata um marqueteiro de peso, o outro também, e encarece tudo. Está tudo superfaturado, excessivo. Não precisava disso.
Em que medida o volume de recursos garante o sucesso de uma candidatura? Qual a relação entre financiamento e cacife político?
É muito difícil ganhar sem grandes recursos, a não ser que seja uma alta celebridade. Mas isso não significa que receber muito dinheiro resulte em vitória. O [presidente da Fiesp e ex-candidato a governador de SP Paulo] Skaf, por exemplo. O fato de ele ter sido financiado pela indústria não levou ele ao cargo.
Em que aspectos ficou mais caro ser candidato desde a redemocratização, nos anos 80? E como isso impactou o financiamento de campanhas?
Isso vem do próprio sistema eleitoral, com a regra do voto proporcional em lista. É necessário cobrir uma área muito grande durante a campanha, e, se um candidato receber muitos votos, beneficia também outros que pertencem a mesma sigla. Isso também favorece a guerra publicitária, o chamado “dilema do prisioneiro”: eu faço porque o outro está fazendo.
Que vantagens há para uma empresa em financiar candidaturas?
Há duas coisas que a empresa quer. Uma é o seguro. Por exemplo, começa um rumor de que vai ter uma mudança regulatória que vai afetar negativamente uma empresa. Ela acaba doando para um político que tenha contato com alguém influente em algum ministério. Com isso ela cria um espaço dentro do poder. Outra coisa é o “toma lá, da cá”. A empresa financia, mas exige garantias de que uma determinada obra será feita e espera ter preferência na licitação. Mesmo que o candidato não ganhe a eleição, a doação pode ser interessante para a empresa. Vai sempre ter outro [político] da mesma sigla que venceu, e ele também pode acabar ajudando.
O que é o caixa dois, em sua opinião, e como combatê-lo?
Caixa dois é doação não contabilizada. Para combater, tem que ter punição. Penal. No fundo, caixa dois é lavagem de dinheiro. Engraçado que agora no julgamento do mensalão a defesa era a de que seria apenas caixa dois. A empresa também precisa ser responsabilizada. Ainda não aprovamos um código anticorrupção aqui, como há nos EUA, o Foreign Corrupt Practices Act [lei de práticas corruptas no exterior]. Deveria haver regulamentação para o lobby no Brasil também. Esse código seria importante para criar indicações claras do que pode e o que não pode. O FCPA nos EUA determina, por exemplo, que um diretor cujo gerente esteve envolvido em algum caso de corrupção seja implicado também.
Por que, em sua opinião, muitas empresas têm preferido doar aos partidos a doar diretamente aos candidatos?
Porque nessa situação não se identifica para quem está indo; obscurece a relação. Pode até ser interessante para fortalecer mais o partido e menos o candidato, mas para isso é preciso estabelecer um marco para que as siglas deem mais transparência às distribuições internas.
Como o sr. avalia os mecanismos de fiscalização e regulamentação (do financiamento de campanha) existentes hoje no Brasil?
Está melhorando. É preciso continuar as investigações em várias frentes. Polícia Federal, Tribunais eleitorais, Ministério Público e STF têm que ser independentes. Na investigação da Operação Porto Seguro, falou-se que o ministro da Justiça [José Eduardo Cardozo] não sabia da investigação. Pode ser bom que ele não saiba mesmo (ri). Em termos de regulamentação, seria positivo haver medidas para reduzir o custo da campanha. Como eleitor, francamente, acho um descalabro a quantidade de inserções [anúncios dos candidatos]. É um gasto desnecessário. No meio da novela, começa o Serra a falar mal do Haddad e do mensalão, e depois o Haddad a criticar os tucanos… É repetitivo. A propaganda eleitoral deveria ter horário definido.
Qual a sua opinião sobre limites para arrecadação ou despesas de campanha?
Eu colocaria teto para gasto e teto para doação. O limite de contribuição de empresas é de 2% do faturamento. Uma empresa que ganha R$ 1 bilhão por ano pode doar até R$ 20 milhões. Nos EUA, o limite é fixo, de US$ 40 mil. Em termos de doação, defendo limite tanto para pessoas jurídicas quanto para as físicas. E um limite absoluto, como é nos EUA. Um teto fixo e de baixo valor.
Que avanços no acompanhamento e controle das eleições ocorridos no último quarto de século o sr. considera mais significativos?
O fortalecimento e ascensão dos instrumentos de monitoramento independente é o que há de mais positivo, como Polícia Federal, STF. Do ponto de vista da legislação, nada mudou [em termos de financiamento] desde a lei eleitoral de 1997.
Qual sua opinião sobre financiamento exclusivamente público de campanhas?
Sou contra o financiamento exclusivamente público. Não vale a pena proibir o financiamento privado. Faz parte do sistema democrático a empresa apoiar o candidato, mas é preciso impor limites e punições. Eu manteria o financiamento privado, com mais punição e regulamentação. [Algum grau de subsídio público] É importante para equilibrar o jogo, permitindo que novos partidos e candidatos possam entrar, especialmente os que não recebem atenção da iniciativa privada.
Quais aspectos de financiamento público de campanhas temos hoje no Brasil?
Fundo partidário e propaganda eleitoral gratuita, que envolve também renúncia fiscal dos meios de comunicação. No caso da propaganda eleitoral, há uma distorção: damos muita colher de chá para a mídia. A ONG Contas Abertas estimou um valor muito alto de renúncia fiscal. Mas também não sei se é bom mudar, porque pode gerar um bafafá exagerado.
Quais aspectos de leis estrangeiras sobre financiamento de campanha o sr. consideraria interessante pensar em adotar no Brasil?
Acho positivo adotar um código anticorrupção, como há nos EUA. E podemos fazer toda uma discussão do sistema político. Existe a opção do sistema distrital, que debati com os cientistas políticos daqui, da escola. Sim, o sistema distrital reduz a exposição do candidato. Mas, por outro lado, o candidato pode ficar muito paroquial, preso à sua terrinha. Uma solução pode ser o sistema distrital misto: um candidato eleito no distrito e outro numa circunscrição territorial maior. Acho que a chance disso passar é zero, porque os políticos não querem mudar o sistema. Eu era até a favor [do sistema distrital]. Mas os colegas me convenceram de que não é tão simples. O custo político de mudar o sistema eleitoral é muito grande. É melhor dedicar-se a aprovar uma lei anticorrupção.
Como envolver mais o eleitor na fiscalização das campanhas?
Essa seria uma das vantagens do distrital: fechar o eleitor em uma região em que ele poderia participar mais. No atual sistema, é difícil. Há uma ONG [Voto Consciente] que vai às escolas tentando educar politicamente a meninada. Acho que a juventude perdeu um pouco desse engajamento. Eu peguei um pouco disso, tenho 41 anos. Minha geração, quando estava na faculdade, se mobilizou no caso Collor. Acho que na geração atual isso se perdeu. Entre meus alunos, o interesse por política é perto de zero.
E no tocante ao financiamento de campanha, como avalia a participação do eleitor como doador?
É interessante. Quem vota é o eleitor. A democracia já assume que cada pessoa é um voto. Se todas as doações fossem igualmente distribuídas, não haveria ninguém com poder maior que o de outra pessoa. O Obama estimulou muito isso nos EUA. Para isso aumentar no Brasil, é preciso garantir a transparência, porque o doador vai querer saber o que foi feito de sua doação. Já temos os mecanismos para isso, como Facebook e Twitter, que facilitam na hora de doar.